ARTIGO: QUEM NÃO SE COMUNICA, SE TRUMBICA? - Randyson Laercio

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domingo, 22 de janeiro de 2017

ARTIGO: QUEM NÃO SE COMUNICA, SE TRUMBICA?



Quem não se comunica, se trumbica?
Nos anos 70 do século passado, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, criou o bordão, ”Quem não se Comunica se Trumbica”, justo quando fervilhavam no Brasil as ideias a respeito da ciência da comunicação, com grande atraso, diga-se, em relação aos centros europeus de cultura. Só se falava em “aldeia global”, “o meio é a mensagem”, Marshal Mc Luhan, dava as cartas. As faculdades de Comunicação eram criadas em todo o Brasil, inclusive em São Luís. Instalava-se a grande era da comunicação audiovisual.
Estamos montados na comunicação, o whatsapp, zap para os íntimos, se faz acompanhar de facebook, blogs, twitter, instagram, e outros que tais, formando as redes sociais, com acesso a tudo e a todos. As redes criam e destroem reputações, elegem políticos e também descomunicam, se é possível o neologismo. A vida se apressa, a necessidade de comunicação virtual se torna premente e o tempo encolhe.
Descomunicar é quando apago, pela enésima vez, o oferecimento de dez cuecas (não sei o porquê de serem dez), a oportunidade única de encontrar meu par perfeito e renego a ajuda do conselheiro espiritual Cris, que sabe tudo sobre os meus problemas e se propõe a resolvê-los. O Spam invadiu minha caixa de entrada e fez esse estrago todo. Descomunicar é quando qualquer chuva tira a Internet do ar, causando síndrome de abstinência nos usuários.
O zap, invenção útil, multiplica rapidamente a informação e economiza telefonemas pagos. Pessoas desaparecidas do nosso convívio há anos se apresentam. Ah, a prima teve filhotes, não, já são netos. Meu Deus, quanto tempo passou. Reunimos, rapidamente, a família. Temos notícias de todos. Até de gente que nunca vimos e que se infiltram na nossa intimidade. Que fazer? São tempos de comunicação.
Formamos grupos de todos os tipos: amigos, grupos de colégio, serviço, times, família, agremiações, o que mais o diabo inventar. Sabemos rapidamente que uma cobra engoliu um velocípede, que um idiota pode beber um litro de cachaça de um só gole e que um avião caiu em cima de um carro, ou terá sido o contrário? Só não dizem onde e quando, mas não importa, é comunicação. E as fotos pornográficas? Ah, essas a gente deleta, depois de uma espiadela, assim como as peças de açougue dos presídios. De vez em quando, nos posicionamos corajosamente deitados na nossa rede. Repassamos indignados protestos acontecidos há 15 anos, de autores não comprovados, e vamos comer nosso beiju com café, com a consciência de ter feito uma boa ação.
Temos centenas de amigos, mas os que frequentamos são poucos. Isso vem da era dourada da TV, nos anos 1970, que já trazia, para dentro de casa, acontecimentos de todo o mundo em tempo real. Sabe-se mais do que acontece na Síria ou no Cazaquistão que na esquina de nossa rua. Não sabemos quase nada dos vizinhos. As visitas tradicionais foram abolidas desde o início das transmissões da telinha. Quem ousaria fazer visitas cordiais, a troco de um bom papo ou de um jogo de gamão, em horas de novelas e noticiários? Jovens, quando das visitas obrigatórias, antes de dar bom dia, chegam e vão logo procurando as tomadas. Tudo, menos celulares descarregados.
O que dá pra rir, dá pra chorar, já dizia Billy Blanco. No zap, recebemos corrente infindas, que nos prometem milagres ou castigos, caso as repassemos ou não. Clarice Lispector, Garcia Marquez. Pablo Neruda, Drummond, Ghandi e até Shakespeare e Aristóteles, depois de mortos tornaram-se piegas criadores de enfadonhos textos de autoajuda. Orações e piadas se reproduzem e rodam centenas de vezes, vindas de todos os grupos. Mas o pior mesmo, o mais insultado por todos, é sem dúvida o corretor de texto. A troca de acento de um ”e” para um “é” pode mudar a frase e causar inimizade. Ele interpreta e distorce nosso pensamento e nos faz pronunciar palavras que nos fariam corar sem a sua ajuda. E se o internauta que as recebe não tiver a esperteza e o senso de humor necessário, nessas ocasiões, aí teremos a inversão do bordão chacriniano: quem se comunica, se trumbica.
Ceres Costa Fernandes
Mestra em Literatura e membro da Academia Maranhense de Letras

Um comentário:

  1. Muito boa a crônica. Uma verdade que nos assola cada dia mais forte. São tantas informações e não sabemos de quase nada, uma verdadeira inversão de causa e efeito, de valores, de praticamente tudo. Velhos tempos que não voltam mais.

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