Todas as vezes em que ouve indagação a respeito de aposentadoria, o ex-presidente José Sarney (PMDB), hoje com 86 anos, responde com a mesma afirmação, dando-lhe o tom de sentença: “A política só tem porta de entrada”. A crise que estremeceu, na semana passada, as relações do Senado da República com o Supremo Tribunal Federal por causa da liminar que determinou o afastamento do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência da Câmara Alta e do Congresso Nacional mostrou que o mais hábil, experiente e atuante político brasileiro dos anos 70 do século passado para cá é a expressão acabada da sua própria sentença, ao aparecer no epicentro da crise. Sarney usou os seus espaços e o que ainda resta do seu outrora enorme prestígio nas entranhas dos três Poderes da República para atuar como o principal conselheiro do presidente do Senado, o que, na avaliação de muitos, foi decisivo para que a crise institucional não ganhasse uma carga de tensão explosiva. Todas as fontes graúdas ouvidas pela Coluna emitiram a mesma impressão: foram os conselhos de José Sarney que conduziram as atitudes e o discurso do senador Renan Calheiros, que cumpriu fielmente o roteiro traçado pela velha e tarimbada raposa. Para essas fontes, não fosse a orientação do ex-presidente da República, é muito provável que o desfecho teria sido bem mais traumático.
Ao tomar conhecimento da bombástica decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello, Renan Calheiro providenciou a imediata formação de um “gabinete de crise” tendo José Sarney como conselheiro-mor. Nas dramáticas e tensas horas em que o senador-presidente foi procurado pelo oficial de Justiça do Supremo para notificá-lo, ele já estava preparado para não receber a notificação. A explicação para a atitude de Renan Calheiros é simples: se ele tivesse recebido a notificação, teria de cumprir a decisão, ou seja, afastar-se da presidência do Senado e do Congresso Nacional. O afastamento consumaria, assim, um fato jurídico cuja reversão poderia ser inviável. A afirmação de que Renan Calheiros “desrespeitou” a liminar concedida pelo ministro do Supremo atendendo a uma ação da rede Sustentabilidade, partido de Marina Silva, não se sustenta, exatamente porque ele não tomou conhecimento formal da medida do ministro do Supremo.
Os conselhos de José Sarney foram decisivos para a tomada de decisão, pois orientaram no sentido de que naquele momento o mais importante era ganhar tempo, por várias razões, sendo a mais importante delas: se cumprisse a liminar, Renan Calheiros dificilmente retornaria à presidência do Senado, que passaria a ser presidido pelo 1º presidente, o senador acreano Jorge Viana (PT), o que poderia entornar o caldo no campo parlamentar e dificultar enormemente a votação dos pacotes reformadores do presidente Michel Temer (PMDB) e, mais do que isso, agravar ainda mais a crise institucional.
Ao mesmo tempo em que orientava Renan Calheiros no sentido de “desconhecer”, e não “desrespeitar”, a liminar, José Sarney acionava seus canais no Poder Judiciário para ponderar sobre o teor belicoso da medida e sugerir que o Supremo encontrasse uma saída por meio da qual nem o Senado nem a Corte sofressem danos que pudessem desestabilizar equilíbrio entre os Poderes, base essencial do estado democrático de direito. E como a ação da Rede Sustentabilidade que gerou a liminar alegava somente que, como réu, Renan Calheiros não poderia assumir a Presidência da República como substituto eventual do presidente Michel Temer em situações nas quais o presidente da Câmara Federal, deputado federal fluminense Rodrigo Maia (DEM), também não pudesse assumir, o desfecho seria mais simples. A solução, na qual estão claras as digitais de José Sarney, foi manter Renan Calheiros na presidência da Casa, mas tirando dele a possibilidade de despachar temporariamente no Palácio do Planalto. O placar no Supremo foi de 6 a 3 a favor da solução.
Os fatos são reveladores de que, mesmo sem mandato, José Sarney continua como uma das vozes mais ouvida no PMDB e em todo o cenário político de Brasília. Essa experiência que o tornou um sábio político e o viés conciliador das suas intervenções explicam o fato de sua residência continuar sendo ponto de peregrinação de autoridades dos três Poderes, que o procuram para trocar impressões e ouvir conselhos. Por lá passam deputados, senadores, governadores e prefeitos; ministros do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça, ministros de Estado e até o presidente República, quando a situação cobra e a agenda permite. É verdade que seu poder de fogo político não é mais o mesmo, mas é também rigorosamente verdadeiro que o seu prestígio continua alto e sua influência ainda se faz presente, o que é evidenciado nos momentos de crise em que o PMDB é protagonista.
Ribamar Correia
Nenhum comentário:
Postar um comentário